O artigo 9º, III, da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) veda a participação de empresas que tenham sócios, dirigentes ou empregados com parentesco com agentes públicos do órgão ou ente contratante, até o terceiro grau, ainda que a contratação seja realizada por meio de credenciamento. Também é vedada a participação de empresa que tenha vínculo com dirigente ou servidor integrante da unidade responsável pela licitação, ou com qualquer servidor que, de acordo com a autoridade administrativa competente, tenha poder de influência sobre o certame.
Essas vedações incidem sobre servidores públicos efetivos, temporários ou comissionados; e aplicam-se também na hipótese de contratação direta, inclusive nos processos de credenciamento mediante inexigibilidade de licitação.
A proibição incide mesmo quando o servidor do órgão ou entidade contratante figurar como mero sócio cotista, sem poderes de administração, e ainda que não seja responsável pela prestação direta do serviço; e também na hipótese em que o servidor seja responsável pela prestação do serviço contratado, mesmo sem constar no quadro societário da empresa contratada.
A contratação direta por inexigibilidade ou dispensa deverá ser justificada expressamente pelo gestor. Portanto, caso escolha a modalidade de dispensa, prevista no artigo 24, IV, da Lei nº 8.666/93, o gestor deverá demonstrar de maneira objetiva a existência de situação emergencial ou de calamidade pública e que a contratação é necessária para evitar a ocorrência de prejuízo concreto a pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.
Na hipótese de contratação emergencial, cabe ao gestor realizar nova licitação, para que não reste caracterizada situação de emergência fabricada; e eventual prorrogação do contrato apenas será lícita caso seja demonstrada a manutenção da situação de emergência ou calamidade pública e a impossibilidade de realização de novo certame, ou sua frustração, durante o período inicial de vigência do contrato.
Além disso, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) decidiu oficialmente que foi superado o entendimento que havia sido fixado anteriormente pela Resolução nº 7015/2003, que admitia a contratação de terceiros para prestar atendimento médico e odontológico, mesmo que eles fossem servidores do município.
Essa é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Carlos Luciano Sant'Ana Vargas, por meio da qual apresentou questionamentos em relação à proibição expressa no artigo 9º, inciso III, da Lei nº 8.666/93.
Instrução do processo
A Supervisão de Jurisprudência e Biblioteca (SJB) indicou a existência de decisões sobre o tema no âmbito do TCE-PR, expressas nos acórdãos números 2745/10 (Consulta nº 228167/10), 6297/15 (Representação da Lei 8.666/93 nº 384190/08), 1467/16 (Consulta nº 1124148/14) e 1468/16 (Representação da Lei 8.666/93 nº 27989/11).
A Coordenadoria de Gestão Estadual (CGE) do TCE-PR instruiu o processo com as respostas às questões conforme o entendimento firmado na decisão.
A Sexta Inspetoria de Controle Externo (6ª ICE) do TCE-PR lembrou que a vedação atinge os familiares de até terceiro grau de agentes públicos que detenham poder de influência no procedimento, inclusive quanto a eventual conhecimento antecipado e privilegiado da intenção da administração pública de contratar.
Assim, a inspetoria entendeu que a limitação não seria automática, pois deveria considerar as atribuições do agente público para verificar, no caso concreto, se o seu poder de influência seria capaz de orientar a contratação para beneficiar empresa de seus parentes até o terceiro grau.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) acrescentou que a vedação permanecerá, mesmo que o servidor não atue para beneficiar empresa em que figura como sócio cotista ou administrador, como forma de evitar que qualquer dúvida recaia sobre a idoneidade da contratação realizada.
Além disso, o órgão ministerial sugeriu que constasse expressamente na resposta à Consulta a superação do entendimento firmado na Resolução nº 7015/2003, relacionada à Consulta nº 434004/02, que havia concluído pela admissibilidade da contratação de terceiros para prestar atendimento médico e odontológico, mesmo que eles fossem servidores do município.
Legislação e jurisprudência
O artigo 24 a Lei Estadual 15.608/07 (Lei de Licitações e Contratos do Estado do Paraná) estabelece que o credenciamento é ato administrativo de chamamento público, processado por edital e destinado à contratação de serviços junto àqueles que satisfaçam os requisitos definidos pela administração; e pode ser adotado para situações em que o mesmo objeto possa ser realizado simultaneamente por diversos contratados.
O credenciamento pode ser considerado uma hipótese de inexigibilidade de licitação, prevista no artigo 25 da Lei nº 8.666/93, pois ela é aplicável no caso de possibilidade de contratação de todos os que satisfaçam as condições exigidas pela administração.
O artigo 9º, III, da Lei nº 8.666/93 dispõe que o servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários.
De acordo com o artigo 24, IV, da Lei 8.666/93, a contratação direta é possível quando devidamente demonstrada situação de emergência ou calamidade pública ou quando a ausência de contratação acarretar prejuízo concreto à segurança e integridade de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.
O artigo 4º do Decreto Estadual 26/2015, que disciplina a vedação ao nepotismo em âmbito estadual, fixa que é vedada, no âmbito de cada órgão e de cada entidade, a prestação de serviços por familiar de agente público vinculado ao Governo do Estado do Paraná, por intermédio de empresa contratada ou conveniada com a administração pública estadual.
O Prejulgado nº 9 do TCE-PR estabelece que são nulos os atos caracterizados como nepotismo; e, especificamente quanto às contratações promovidas pela administração pública, assinala que as mesmas regras aplicam-se na contratação de prestação de serviços com empresa que venha a contratar empregados com incompatibilidades com as autoridades contratantes ou ocupantes de cargos de direção ou de assessoramento, devendo essa condição constar do edital de licitação.
O Acórdão nº 2745/10 (Consulta nº 228167/10) trata da Interpretação da Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal; e fixa a impossibilidade de participação em licitação e contratação de empresa da qual conste como sócio cotista ou dirigente, cônjuge, companheiro, parente em linha reta ou colateral, consanguíneo ou afim de servidor em cargo efetivo ou em comissão na entidade licitante.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, lembrou que o TCE-PR já decidira em Consulta pela possibilidade do credenciamento como inexigibilidade de licitação, situação em que se aplica o regramento do artigo 9º da lei 8.666/93 para assegurar a igualdade, a impessoalidade, a imparcialidade e a moralidade.
Bonilha afirmou que a vedação é válida para todos os agentes públicos estatais e servidores públicos estatutários, temporários e comissionados, mesmo que o servidor seja sócio-gerente, administrador ou sócio cotista, tendo ou não poderes de administração da empresa. E acrescentou que também é proibido que o servidor ou seu familiar seja prestador de serviço, o que caracterizaria participação indireta do servidor.
Mas o conselheiro ressaltou que a verificação da vedação de contratação de familiares de servidores públicos demanda a análise do caso concreto e do poder de influência do servidor no certame.
O relator também salientou que a contratação direta deve respeitar certas limitações, como o atendimento exclusivo aos bens necessários em razão da situação emergencial ou calamitosa, que deverá ser comprovada pelo órgão ou entidade responsável juntamente com a demonstração de que não há outra empresa que tenha interesse e condições de ser contratada.
Bonilha destacou, ainda, que em caso de credenciamento, o procedimento deve permanecer aberto para futuros interessados durante o período e condições previstos no edital; e caso uma nova empresa se interesse em ser credenciada, o contrato emergencial deverá ser encerrado. E adicionou que a prorrogação da contratação por prazo superior a 180 dias somente será possível quando for a única opção viável, mediante a apresentação de expressa motivação da manutenção da situação emergencial e a impossibilidade de realização de nova licitação.
Finalmente, o conselheiro concordou com o entendimento do MPC-PR para que na decisão da Consulta conste expressamente a superação do entendimento firmado na Resolução nº7015/2003, que não tem caráter normativo e vinculante e já foi superada por diversas decisões recentes do TCE-PR, incluindo o Acórdão nº 1468/16 - Tribunal Pleno (Representação da Lei 8.666/93 nº 27989/11).
Os conselheiros aprovaram o voto do relator, por unanimidade, na sessão do Tribunal Pleno de 14 de agosto. O Acórdão nº 2290/19 - Tribunal Pleno foi publicado em 22 de agosto, na edição nº 2.127 do Diário Eletrônico do TCE-PR, veiculado no portal www.tce.pr.gov.br.
Serviço
Processo nº:
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839610/17
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Acórdão nº
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2290/19 - Tribunal Pleno
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Assunto:
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Consulta
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Entidade:
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Universidade Estadual de Ponta Grossa
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Interessado:
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Carlos Luciano Sant'Ana Vargas
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Relator:
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Conselheiro Ivan Lelis Bonilha
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